A melhor maneira de escutar a harmonia rítmico–espacial e suas composições é o concerto ao vivo, através de gravações multicanais mistas ou com músicos espacializados numa sala de concerto ou de um Teatro « à italiana », onde pode-se espalhar pequenos grupos de músicos nas paredes, ou ainda numa sala de cinéma Dolby Atmos, 5.1 ou 7.1. Ainda outros espaços de difusão podem ser adaptados para esse tipo de composição : por exemplo, o concerto de Brasília em janeiro de 2020, foi realizado em multicanal ao ar livre, difundido ao vivo pela compositora.
Relativo as gravações multicanais comercializadas, o sistema “dolby 7.1” ou 5.1 usado em Home cinema, dá um bom rendimento à harmonia ritmico-espacial.
Eu comecei a realizar algumas versões em estéreo (2 canais, esquerda- direita) otimizadas neste período da pandemia, quando as perspectivas de concerto ao vivo foram suspensas. Tinha testado os programas de espacialização mais amplamente comercializados, os programas informáticos de binaural e as tecnologias de gravação binaural ao vivo. Infelizmente, nesse momento nenhum deles conseguiu render corretamente para os sons vindos de trás. Geralmente, quando percebemos bem os sons de trás, perde-se os da frente, e inversamente: na realidade de uma difusão em multicanal, a diferença é evidente e indispensável ao equilíbrio das fontes sonoras frente-atrás da composição.
Então, eu escolhi fazer render o equilíbrio espacial a partir de outros meios, que às vezes não respeitam a espacialização original. Alguns sons que normalmente viriam de trás, passaram a vir pela frente, e tive que privilegiar a noção “perto-longe”, em vez de “frente-trás”. Mas a diferenciação das fontes sonoras no espaço se tornou satisfatória ao escutar a estéreo usando fones de ouvido (capacete), e o prazer do equilíbrio e das respostas sonoras que fundamentam a harmonia rítmico–espacial podem quase serem sentidos, especialmente nos extratos da Sinfonia–balé Cenas da Amazônia.
Entretanto, uma gravação em estéreo de minhas músicas é tão diferente do original, quanto uma redução de orquestra para piano é diferente da música orquestral. A redução pode mostrar as estruturas da obra musical, porém não representa sua realidade orquestral. Da mesma maneira, as gravações em estéreo de minhas músicas podem mostrar a estrutura das obras num equilíbrio espacial esquerda-direita, mas não representam sua realidade espacial. E nada se compara a perseguição predador-presas da cena “Jungle”, nº3 das Cenas da Amazônia, ao vivo nas paredes do Teatro !
A harmonia rítmico-espacial é também perceptível na Natureza. Em qualquer floresta do mundo, ao amanhecer ou ao pôr do sol, quando muitos animais se expressam ao mesmo tempo, cada um pode observar estes fenômenos:
– ao buscar um beat nos sons da floresta, se apercebemos a que ponto os animais são ritmicamente precisos no “tempo”, bem como suas entradas sonoras e as durações de seus silêncios. É a sincronização natural dos sons biofônicos, que é a base temporal da harmonia rítmico-espacial.
– ao observar visualmente, aonde se localizam os animais uns em relação aos outros, podemos perceber a forma como o equilíbrio espacial entre as fontes sonoras biofônicas se realiza : é a proxemia física.
– Com uma observação audiovisual, percebemos como esta posição proxêmica no espaço físico permite a cada animal ser ouvido muito melhor, no meio de todos os outros. Se todos “falassem ao mesmo tempo”, e no mesmo lugar, seria muito mais difícil distinguir cada som, e então cada animal. Ao “falar” em momentos diferentes, de lugares diferentes, a distinção sonora de cada animal no meio dos outros é otimizada. E se a posição rítmica dos sons emitidos (a proxemia temporal [1]) corresponde à posição no espaço dos animais, a distinção de cada animal no meio dos outros é otimizada ainda mais.
Para concluir, esta reflexão sobre nossas multi-vidas urbanas e tecnológicas: experimentamos diariamente a harmonia ou a desarmonia rítmico-espacial sem estarmos conscientes disso. Por exemplo, uma cena realista do século XXI: a televisão é discretamente ligada na parede à nossa frente enquanto o rádio toca uma música do gabinete à esquerda, uma pessoa fala conosco sentada à direita de nossa cadeira, o som do computador ecoa da mesa, a mensagem que o telefone acaba de receber é ouvida em nossa mão direita e, ao mesmo tempo, a pequena música do facebook sinaliza uma nova mensagem.
Estes são os dados sonoros complexos, muito recentes e simultâneos que animam nossa vida tecnológica diária no século XXI, na mais inconsciente harmonia ou desarmonia rítmico-espacial!
[1] Estética da composição, Reflexões e pesquisas transdisciplinares para o século XXI, Isabelle Sabrié, 2012. Inédito, todos os direitos protegidos.