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Porque o termo “harmonia”: música, ciência

Porque o termo “harmonia”?

 

Essa pergunta muito relevante me foi feita por Nguyen Minh Tâm, o Diretor Artístico de Percussions de Strasbourg, para quem estou compondo a Sinfonia – balé Cenas da Amazônia. Validou o termo “harmonia” após as minhas explicações, que aqui apresento em algumas frases. Publicações, conferências e confirmações científicas internacionais recentes confirmaram desde então a escolha deste termo, com o patrocínio de Edgar Morin.

Definição musical: a harmonia rítmico-espacial é um conjunto de princípios espaço-temporais que regulam o uso e a combinação de sons simultâneos quando são emitidos de diferentes locais em uma sala, e o sequenciamento em momentos específicos, de modo a desenvolver um equilíbrio espacial e rítmico em evolução no espaço físico tridimensional.

 

Fundamentos musicais e científicos do termo “harmonia”

 

Na música, a harmonia clássico-romântica é definida como o “conjunto de princípios que regulam o uso e combinação de sons simultâneos” [consonantes], ou ainda a “arte e ciência da formação e sequência de acordes [1] ”.

Na linguagem científica, os acordes consonantes usados ​​na harmonia clássico-romântica são sobreposições de frequências de altura que têm relações de consonância física entre elas. Nas ciências acústicas, a consonância física é definida por “sons cujas frequências fundamentais estão em uma relação aritmética simples entre si [2]”. Essa característica aritmética natural é conhecida desde Pitágoras e é encontrada na harmonia rítmico-espacial, de outra forma.

Até o século XX, a definição do termo musical “harmonia” aplicava-se apenas à dimensão vertical da escrita musical de sons simultâneos, ou seja, aos sons consonantes sobrepostos, emitidos do mesmo lugar na sala e no mesmo momento rítmico.

A harmonia rítmico-espacial também é um “conjunto de princípios que regulam o uso e combinação de sons simultâneos e sua sequência”. Mas, desta vez, seus princípios se aplicam na dimensão rítmica horizontal (temporal) e espacial (espaço físico) da arquitetura musical. Eles se aplicam ao “uso e combinação de sons simultâneos” quando estes sons são emitidos de vários lugares diferentes na sala, em momentos rítmicos do mesmo compasso ou da mesma “batida”, e em sua sequência com outros ritmos espacializados.

Como a harmonia tradicional, a harmonia rítmico-espacial mantém uma “relação aritmética simples” entre os sons simultâneos. Essa relação aritmética simples liga os ritmos musicais à posição espacial de suas fontes sonoras (a posição dos instrumentistas ou dos alto-falantes na sala). Ela existe nas 2 dimensões “horizontais” da escrita musical da harmonia rítmica-espacial, a espacial física e a temporal rítmica.

Foi o que observei na floresta amazônica: uma harmonia rítmico-espacial natural, que me apareceu pela primeira vez ao ouvir o canto antifonal dos sapos da Amazônia. As leis da proxemia são conhecidas desde meados do século XX, decidem a posição de cada animal em relação aos demais no espaço físico. Também decidem, de acordo com minhas observações, a posição rítmica (temporal) dos sons emitidos quando o animal se expressa [3]. Uma pulsação regular (com suas pulsações relativas) sincroniza todos os sons complexos da biofonia, a discussão deste assunto neurobiológico continua desde 2009 com os cientistas.

Na dimensão “física espacial” da harmonia rítmico-espacial, são consideradas as 3 dimensões de uma sala, altura, largura e comprimento. Elas se dividem em 2: cima-baixo, esquerda-direita, frente-atrás. Os compositores que usam essa linguagem musical decidem as distâncias entre as fontes sonoras para que fiquem em “relação aritmética simples” entre si.

Quanto a dimensão “temporal rítmica” da música, a definição mesmo do rítmo é aritmética. As durações dos sons de um rítmo são matemáticas: para determinar a duração de cada som, a unidade de tempo escolhida é multiplicada ou dividida por números inteiros simples. Por exemplo, uma semibreve é dividida em 2 mínimas, uma semínima é igual a 3 colcheias em ternário, ou 2 colcheias em binário. As multiplicações e divisões rítmicas são sempre múltiplo ou divisor de números inteiros simples, 1, 2, 3, 4 ou 5, que raramente vão além de 7.

A “ relação aritmética simples ” que caracteriza a harmonia tradicional e a consonância física se encontra então no mínimo em 2 dimensões da harmonia rítmico-espacial, o ritmo e o espaço. Assim o equilíbrio tempo-espaço, em movimentação pela sala, é reconstruido a cada novo momento.

Os princípios espaço-tempo da harmonia rítmico-espacial admitem todos os sistemas musicais, incluindo a harmonia clássico-romântica em sua verticalidade, serial, música modal, etc. Não alteram a harmonia clássico-romântica se esta estiver presente na composição. Ela pode continuar o mesmo, independentemente da localização de sua emissão sonora, do palco “na frente” ou em qualquer outro lugar na sala. A harmonia rítmico-espacial adiciona dimensões e regras à música produzida no palco em frente aos ouvintes. Ela adiciona “esquerda-direita-cima-baixo-atrás”, e o encadeamento de sons é desenvolvido seguindo as regras de “equilíbrio tempo-espaço”.

Posteriormente, questões de timbre, acústica e percepção auditiva humana determinam outras regras que se sobrepõem a elas. Baseiam-se na possibilidade, ou não, de uma boa percepção da localização do som na sala pelo ouvido humano, e do seu interesse, ou não, no contexto musical geral. Assim como as regras de orquestração, algumas configurações são melhores que outras, e se impuseram durante a composição de minhas obras de harmonia rítmico-espacial, até recentemente criando ritmos populares em 3D.

Por todas estas razões, o termo “harmonia” me pareceu o mais adequado para nomear essa construção musical.


[1] Dicionário Larousse.
[2] Pitágoras descobriu que havia uma relação entre o comprimento de uma corda esticada que é feita para vibrar e a altura do som emitido: colocando uma ponte em um monocórdio (ou traste de guitarra) que permitisse esticar somente metade da corda, a altura obtida era uma oitava mais alta. A frequência, ou seja, o tom de um som fundamental, é inversamente proporcional ao comprimento da corda vibrante. Na ciência acústica, um parcial harmônico é um componente de um som periódico, cuja frequência é um múltiplo inteiro de uma frequência fundamental. (https://edutheque.philharmoniedeparis.fr/)
[3] Estética de composição, Reflexões e pesquisas transdisciplinares para o século XXI, Isabelle Sabrié, 2012. inédito.