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Impressões da compositora, andar no Tempo

de Isabelle Sabrié

Prazer dos ritmos espacializados, “andar” no Tempo

Existe um verdadeiro prazer físico da harmonia-rítmico espacial ! A sensação se assemelha a do andar humano, quando a perna que se levanta para o céu em desequilíbrio provisório para avançar, recai finalmente ao chão e volta à estabilidade da gravidade terrestre. A gravidade pede que esta perna volte ao chão, e sentemos prazer ao “cair em pé”. Isso lembra muito da necessidade “cima-embaixo” da harmonia-rítmico espacial: em cima, sente-se a necessidade do chão e inversamente em baixo, a necessidade do céu. Musicalmente, esta necessidade de equilíbrio espacial entre os polos opostos se exerce igualmente nas dimensões “esquerda-direita” e “frente-atrás”. Um prazer físico  resulta disso, o prazer auditivo do equilíbrio sonoro espaço-temporal.

Às vezes, tenho a impressão que os ritmos em 3D são uma criatura de quatro, seis ou oito pernas, cuja locomoção precisa “cair de volta ao chão”, ou seja  “cair no tempo” como dizem os músicos, em lugares precisos para voltar ao equilíbrio. Se todas as pernas esquerdas de uma criatura polípede se levantam no mesmo momento, a criatura vai se desequilibrar na sua dimensão vertical/lateral (cima-baixo/esquerda-direita) e isso atrapalhará a sua caminhada. Então, não é assim que funciona a harmonia-rítmico espacial. E também, não é assim que funciona a locomoção dos insetos.

Para continuar nesta analogia biomimética, o andar a seis pernas dos insetos e oito pernas dos aracnídeos, obedece à sistemas de locomoção muito precisos que a natureza otimizou, e que não funcionam ou funcionam mal em outras configurações, o que os engenheiros robóticos do século XXI observaram recentemente. Seguindo minha experiência de compositora, os ritmos em 3D, obedecem também regras muito precisas, muitas configurações rítmico-espaciais não estão “andando”. De repente essa expressão popular “andar” ou “não andar” parece cair como uma luva neste contexto ! E o termo musical português “andamento”, que define a velocidade da pulsação escolhida (do “tempo” musical) parece adequar-se em tantos aspectos !

Numa outra analogia biomimética, vegetal desta vez, o desenvolvimento das plantas e das árvores não para de me fascinar. A cada aparição de um novo ramo, o equilíbrio se restabelece pouco depois no espaço em três dimensões, pelo nascimento do próximo ramo cujo peso e posição no espaço vão compensar os dos outros ramos, continuando no mesmo tempo de crescer até o tamanho adulto. É a mesma coisa para cada folha, cada nervura, cada flor, cada pétala, cada fruta. Nos vegetais, a pulsação temporal que rege os movimentos desta “marcha no tempo” é mais lenta que a dos animais e dos humanos em relação ao movimento. Mas as leis espaciais de seu equilíbrio em 3D são as mesmas. Para mim isso também é harmonia-rítmico espacial !

“Andamos” no Tempo com mais ou menos “pernas”, formas ou dados mais ou menos complexos, e este equilíbrio tempo-espaço sempre se encontra na natureza. Até o cosmos, com a estabilização provisoriamente equilibrada das galáxias que obedecem às leis matemáticas das espirais : mais uma vez uma harmonia-rítmico espacial ! E tenho certeza que era bem disso que Olivier Messiaen falava quando compôs seu extraordinário “O que é escrito nas estrelas”, durante sua estadia no Colorado onde reside o povo nativo dos Hopis, grandes observadores do céu.

Eu escrevo “tempo-espaço” e não “espaço-tempo” porque com os músicos o tempo vem primeiro: não é no espaço que se anda, com a forma estável do ser humano (dois braços e duas pernas) como se pensa habitualmente. Mas é no Tempo que a forma espacial em movimento se redefine. Três pernas levantadas ou as seis no chão, uma perna em cima com o braço oposto acompanhando o movimento por um ligeiro contrapeso pela frente, o batimento “cima-baixo-direita-esquerda” de duas asas abertas por novos instrumentos na composição: a forma do ser em movimento redefine-se a cada instante de equilíbrio sonoro, a cada instante de estabilidade provisória ao “recair no tempo”.

Por sinal, quando eu componho ao vivo com meus seis ou oito auto-falantes, se eu apliquei mal um princípio de harmonia-rítmico espacial, meu ouvido o percebe imediatamente como se fosse um erro de harmonia clássica. Para mim é ainda uma indicação clara que nós temos um sentido desconhecido, guiado pela amígdala cerebral [1], que exige a cada instante restabelecer o equilíbrio espacial entre os sons ou os seres, como a gravidade terrestre exige que a perna recaia no chão.

Como se uma “gravidade temporal” se exercesse no som, a cada tempo da pulsação ou do compasso, como se um “chão” temporal, uma terra invisível existisse debaixo dos “pés” dos ritmos, dos “pés” dos versos poéticos e de todos os movimentos dos seres vivos, atraindo irremediavelmente eles para estabilizar a forma do ser em movimento no próximo “tempo forte”. Uma forma que evolui nas três dimensões do espaço físico e que “anda”… no Tempo. Invisível aos olhos, mas perceptível aos ouvidos.

E de fato, porque todos os sons dos seres vivos tem ritmos ? Se a gravidade explicou porque a maçã cai no chão e não fica em cima flutuando, o que é que explica que todos os sons biofônicos devem regularmente cair nos tempos fortes, com seus acentos de duração, de altura ou de intensidade? A ciência ainda não tem resposta para esta questão fundamental.

Estou longe de ter especificado todos os princípios dos ritmos em 3D, mas avancei muito em suas bases desde 12 anos. Deixo as inspirações guiar minhas composições e pouco a pouco, mostrar o que funciona bem, muito bem ou mal, na ideia de conservar este incrível equilíbrio sonoro tempo-espaço que observei na natureza, na floresta amazônica. Esta floresta fascinante que comporta o maior número de sons simultâneos em um minuto, emitido pela maior biodiversidade mundial. Uma criatura com milhões de “pernas” sonoras, que se reequilibra a cada instante, em cada lugar de vida !