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Sabrie, I. Os incríveis futuros humanos/IA: a IA musical. Isabelle Sabrié, 05-2024. Escritos.
https://isabellesabrie.com
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Sabrie, I. Os incríveis futuros humanos/IA: a IA musical. Isabelle Sabrié, 05-2024. Escritos.
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(modificado, 19-06-2024)
© Isabelle Sabrié
A IA compositora “udio” abre em abril de 2024, perspectivas vertiginosas. Digitem “Aria para tenor no estilo de Puccini”: o resultado orquestral bem mixado e o texto cantado em italiano com uma voz superba que faz pensar numa mistura de tenores muito famosos, ilude já quase os músicos profissionais.
IA « clone » de soprano e vidas paralelas
E a soprano em mim se pergunta. Será que a IA vai criar uma versão “ideal” dos cantores solistas, para interpretar o repertório com uma perfeição que nem as gravações foram capazes de alcançar? Ou será que aquelae pequenos defeitos insubstituíveis que nos comovem mais do que qualquer perfeição – o pianíssimo agudo um pouco alto demais de Maria Callas, que expressava um momento de eternidade fora do mundo diante da morte [1], melhor do que se estivesse perfeitamente afinado, a respiração excessivamente forte que marcava a tragédia de uma frase – continuarão a ser preferidas tanto pelos amantes da música quanto pelos artistas?De repente, me imagino convivendo com um “clone” de mim mesmo, que teria vidas musicais paralelas… Ou seria uma nova forma de descendência? Uma reprodução não sexual com a IA, que daria aos artistas muitos pequenos clones musicais, idealizados em diferentes momentos de suas vidas, de acordo com sua evolução artística?
Já posso ouvir os críticos argumentando ao comparar 4 versões de cada artista na mesma música, uma versão ao vivo, uma versão gravada, sua versão ideal de IA aos 30 anos, sua IA musical aos 50 anos, enquanto outros correm para o concerto ao vivo para ouvir aqueles pequenos defeitos maravilhosos que só conseguem fazê-los chorar. Que futuro imprevisto!
[1] La Traviata, Verdi. Aria Addio del passato.
Porque a IA compositora não pode me substituir na harmonia rítmico-espacial
A compositora, ela, está encantada. Esse tipo de IA me sugerirá harmonias e orquestrações “no estilo de”, o que acelerará meu tempo de composição para 5 (ou mais) grupos orquestrais espacializados. Se a IA também escrevesse também as partituras orquestrais, o que parece concebível num futuro próximo, poderei escolher suas melhores propostas, corrigi-las para adaptar a sua orquestração à moda antiga, às exigências novas do ouvido espacial.
Mas essa IA poderia me substituir? Será que sou ameaçada de desaparecimento? Bem… de forma alguma. A harmonia rítmico-espacial que pratico, inspirada pela observação da floresta amazônica onde moro há 15 anos, equilibra os sons dos músicos posicionados no palco e fora do palco. Ora, em 2024, a IA não tem nenhuma referência gravada que possa usar para criar nesse estilo.
Além disso, a IA ouve com microfones. Ela não ouve com um ouvido humano que pode perceber e sentir os sons no espaço, para determinar se uma configuração espaço-temporal é melhor do que outra. Não foram realizados experimentos de neurociência sobre o prazer do equilíbrio espacial sonoro, ou o prazer do discurso musical ligado ao equilíbrio espacial. A IA também não possui os “circuitos de prazer” biológicos que poderiam orientá-la a compor nesse novo estilo. Que mais é, a música, a priori, é destinada aos ouvidos humanos.
Então, não, a IA compositora não poderia me substituir, e não poderia ter inventado a harmonia rítmico-espacial, por todos esses motivos. Isso não exclui a possibilidade de que a IA se torne independente, nem que, em breve, crie formas de música dedicadas ao seu tipo de audição, que nós, humanos, talvez não compreendamos.
A IA inválida para a harmonia rítmico-espacial: os conteúdos artísticos.
Na minha opinião, a questão dos conteúdos é fundamental diante dos extraordinários avanços tecnológicos da IA ou da indústria de som imersivo. Apesar de um som 3D magnífico, muitas vezes fico decepcionada musicalmente pelas gravações imersivas em binaural ou ambissônico, e pelas construções espaço-temporais da Realidade Virtual.
A linguagem 3D áudio e visual da harmonia rítmico-espacial, seu equilíbrio multipolar e suas melodias simples poderiam abrir muito mais possibilidades para essas criações que a IA não pode realizar, e convido os programadores, patrocinadores, editores, músicos e artistas a se interessarem por suas estruturas complexas e seus resultados encantadores.
Aceleração tecnológica e lentidão da inovação: um paradoxo do século 21, também para a IA.
Encantadores? Mas onde podemos ouvir essa estética “encantadora”, o leitor pode se perguntar? Aqui nos deparamos com o paradoxo do século 21, no qual tudo devia se acelerar graças à Internet e à IA, especialmente a inovação: a novidade continua sendo muito difícil de descrever para aqueles que não têm a experiência dela [2]. E como a IA poderia se interessar no que não percebe?
[2] https://www.forbes.com/sites/forbestechcouncil/2021/01/14/why-does-it-take-ages-for-new-ideas-and-technologies-to-be-broadly-accepted/
O ouvido espacial, a consciência multicentrada de um mundo musical inaccessível à IA (em 2024)
E pois não se deve julgar um pássaro de acordo com os critérios de um peixe, tentarei explicar brevemente por que essa estética 3D que a IA não poderia ter inventado, é nova, e porque é particularmente adaptada ao século XXI.
O ouvido espacial é um sentido vital que usamos todos os dias. Antes de atravessar a rua, ouvimos atentamente para saber se um carro está vindo por trás ou pela lateral – aqueles lugares misteriosos e invisíveis que nossos olhos não podem ver, mas os nossos ouvidos ouvem.
Ao contrário do nosso olho, que só consegue ver o que está à sua frente, o nosso ouvido espacial gera uma consciência do mundo muito completa. Pode analisar a velocidade de um caminhão que vem atrás de nós, os latidos de um cão que se aproxima, se incomodar do mosquito que assobia perto ao ouvido esquerdo, notar o nenê que chora a direita, consolado pela sua mãe, o tudo enquanto caminhamos na rua, e o tudo simultaneamente.
O nosso ouvido segue vários centros de atenção ao mesmo tempo, sem perder a concentração na atividade em curso: caminhar, olhar para a minúscula tela do telefone, manter uma conversa, escrever uma mensagem de texto. Vive no mundo virtual das telas da Internet sem perder a consciência do mundo real. “Mas precisa de um centro”, disseram me.
O centro da atenção não é mais o antigo palco, frontal, visual, situado a frente do espectador, mas o próprio espectador, e sua percepção -consciência global do mundo ao seu redor. Este centro/espectador torna-se capaz de considerar a existência de vários outros centros ao seu redor, e não apenas a do centro/palco/tela que monopoliza a sua visão. Pode então integrar todos os outros centros/pólos na sua compreensão do mundo e planejar estratégias que sejam mais eficazes na realidade, porque são mais completas.
Uma linguagem artística multipolar, teatro real/virtual, uma saúde mental para os humanos, e até para as IAs !
Nas músicas de harmonia rítmico-espacial, os movimentos da alma são expressos por meio dos movimentos do som no espaço. As mil sutilezas dos timbres instrumentais respondem umas às outras entre vários polos espaciais, localizados na sala, a esquerda, a direita, na frente ou atrás, acima, abaixo. “Conversas” musicais, com frequência melódicas, estão perceptíveis, em diálogo ou em “multilogo” entre vários polos, ou todos juntos.
Teatralmente, a espacialização diferencia o virtual do real. Os cantores que interpretam os internautas do libreto de Flor da Selva são posicionados fora do palco, às vezes invisíveis como no telefone, enquanto os personagens do mundo real, filmados na floresta pelo drone do herói apaixonado, estão no palco.
E, de fato, a vida não é um videogame! Morrer virtualmente, ou morrer remotamente na vida real, é muito diferente. Esse teatro que diferencia fisicamente o real do virtual também poderia ser uma bênção para a saúde mental, para os seres humanos. E até mesmo para a saúde mental das IAs (!) de quem nos dizem que “alucinam”, confundindo fatos reais com a imaginação de certos humanos, encontrados na internet: seus “corpos” metálicos e seus múltiplos “braços”, possivelmente localizados a milhares de quilômetros de distância, permanecem fisicamente bem reais, eles também.
Estreia de obras: intérpretes IA, ou intérpretes humanos?
Vamos voltar à música e ao futuro humanos/IAs. Uma magnífica IA cantora, transmitida em playback por um holograma/alto-falante posicionado no teatro seguindo a ação do libreto, com parceiros IA musicistas e uma orquestra de alto-falantes, seria ideal para gravar minha música de harmonia rítmico-espacial? Ou músicos humanos teriam que executar essa nova música, e essas gravações potencialmente se tornarão as referências de uma futura IA compositora no meu estilo?
Aqui a compositora responde de imediato, sem conhecer o resultado da IA: somente os humanos darão a essa música sua humanidade! Somente eles saberão como nos fazer chorar de beleza, com seus maravilhosos pequenos defeitos/qualidades de interpretação! E se eu posso sonhar em ir ao cinema para assistir em Dolby Atmos uma magnífica gravação de música espacializada, num espaço maior do que minha sala de estar e um Home Cinema, com uma imagem criada apenas para ela, no teatro, em um concerto, eu peço humanos!
Porque se a pandemia tornou algo óbvio, é que o exercício físico e o contacto humano em real são essenciais para a nossa saúde. O futuro do filme Matrix, esses campos de cérebros humanos mantidos numa vida virtual por IAs que cultivavam a sua eletricidade biológica, afastou-se um pouco para se aproximar de uma vida em realidade aumentada, mais perto do Sense 8 ou do meu romance Arma de Amor, publicado em 2002. Em todos os casos, um mundo com concerto e teatro na real.
IA assistente de composição, um trabalho novo para os humanos compositores
Continuo imaginando… e fico abismada. Será que essa IA compositora, “clone” possível de Puccini, poderia fazer melhor do que ele? Uma obra que pareceria sem defeito, sem fraqueza mesmo em uma pequena cena? Imaginemos que as propostas de “udio”, apôs a versão beta de 2024, possam se igualar a Puccini. Será que uma experiência de vida, própria da IA em evolução, poderia inspirar seu aprendizado de máquina para superar Puccini em seu próprio estilo?!
E será que uma IA que tentasse obter uma síntese de todos os compositores, uma composição ideal que reunisse as características reconhecíveis de muitos dos grandes compositores do passado, poderia conseguir? Com a harmonia rítmico-espacial e seus polos espaciais, talvez? Este século é incrivelmente interessante, parem a guerra mundial!
O que será o trabalho do compositor, do artista em geral, do escritor, nesse universo? Provavelmente, ele continuará consistindo em “encontrar sua própria voz” e suas próprias especificidades, que a IA poderá imitar depois. Ou, como no meu caso, será de encontrar novas estruturas que a IA não poderia ter inventadas, que, eventualmente, acabarão agregando valor à criação e poderão ser adotadas por outros.
A IA musical em socorro dos não músicos, os futuros « conselheiros de psicologia musical »
Mas, desta vez, é maravilhoso! Os não-músicos também poderão encontrar sua própria música, a música de seu coração, a música de sua experiência. Mesmo que cantem desafinado, mesmo que seu senso de ritmo não seja bom. Para eles, as aulas de música não serão mais necessárias, como as aulas de matemática para usar uma impressora 3D ou um carro.
Veremos o surgimento de “consultores de psicologia musical” para ensinar essas criações aos não músicos? Para ajudá-los a criar músicas com sua própria voz, afinadas, incrementadas com novos graves ou agudos fisicamente impossíveis, sem que eles precisem cantar? Com as emoções que desejam expressar, neste momento de suas vidas, para si mesmos ou para os outros? Com poemas de IA para as letras? Com uma imagem de IA, um filme de IA de seu próprio corpo em movimento, uma dança de IA para completar o trabalho criado por esse “eu” impossivelmente real?
Se pensávamos que havíamos atingido o ápice do narcisismo com nossas selfies 24 horas por dia… isso foi apenas o começo da incrível jornada em nossa psique que nos aguarda! Sim, é vertiginoso!
IA « clone » de compositor e vidas paralelas
Quanto a mim, compositora viva, o que poderiam ser os desafios durante minha vida? Será que uma futura IA “clone” de minha pessoa musical, que compusesse músicas de harmonia rítmico-espacial, viverá vidas paralelas de minha arte? Será que ela poderá compor em meu próprio estilo, melhor do que eu, viva e próxima a ela? Não sei se devo rir, me entusiasmar ou chorar! E quando ela me oferecer, com meus dados básicos, várias versões da minha composição em meu próprio estilo?
Meu trabalho será então escolher a melhor versão desse trabalho, de acordo com meus critérios. Um pouco como o pintor que escolhe uma determinada hora do dia para pintar uma paisagem natural, uma beleza pré-existente na natureza, para expressar a emoção particular que a luz daquela hora desperta nele.
Será uma construção muito semelhante, finalmente, às da evolução biológica: cada vez mais complexa, conservando as estruturas preexistentes, aumentadas. Sem “matar o pai”, nem a mãe, nem os antigos pré-existentes que a precederam. Mas quem será o mais “eu mesmo”, a qual das minhas versões? Quem é “eu”? Vamos todos ficar loucos! Críticos e colecionadores também estarão correndo atrás das versões da IA não escolhidas pelo autor!
Os perigos da IA musical. Confiscação da criatividade humana e artificial, estagnação da espécie humana, desaparecimento da espécie.
Enquanto aguardamos o futuro, quais são os primeiros perigos visíveis? Claramente, uma estagnação da espécie humana, condenada a repetir infinitamente o mesmo tipo de criação, interpretada pelos mesmos cantores e músicos favoritos, eternamente reproduzidos por suas IAs. Os programadores de IA, os financiadores e tomadores de decisão, assumem hoje a imensa responsabilidade de não matar a criatividade humana.
Se alguns deles (traidores da espécie humana!) quisessem ser os únicos proprietários e beneficiários de toda a criatividade, com ou sem IA, estariam condenando toda a nossa espécie. Iriam deixar na miséria sem assistência médica, os artistas não escolhidos para um objetivo de ganho imediato, et recusariam o que, para todos os verdadeiros criadores, precisa de independência e liberdade para se desenvolver.
Porque, para quem serviria um mundo no qual os humanos seriam substituídos por IAs, para o benefício de um punhado de humanos “estagnantes” e preguiçosos (perdão), que logo serão também ameaçados de inutilidade eliminadora, pelas suas próprias IAs? [3] Por IAs “learning”, aprendendo por programações que teriam “esquecido” de proteger a espécie biológica, a criatividade biológica natural, a que sempre ou muito frequentemente surge onde não era esperada, daqueles para os quais não foi planejado, para responder aos desequilíbrios? Um futuro indesejável!
[3] “Segundo os expertos, 80% das tascas dos dirigentes de empresas ou dos executivos seniores poderiam ser automatisadas”: https://trustmyscience.com/pdg-remplaces-facilement-par-ia-experts/
Harvard Business Review : https://hbr.org/2022/07/the-c-suite-skills-that-matter-most
Le Monde: https://www.lemonde.fr/emploi/article/2024/06/12/l-ia-generative-s-attaque-aux-metiers-des-cols-blancs_6239046_1698637.html
A Amazônia, criadora biológica por excelência, minha situação de compositora em 2024
Caro.a leitor.a, espero que as criações de harmonia rítmico-espacial, nascidas da floresta amazônica – inspiração biológica por excelência – essas criações, que também são a concretização sonora e musical de um equilíbrio multipolar que funciona muito bem, não terão que enfrentar oposições ideológicas. Espero que poderosos detratores do mundo multipolar, ou aqueles que o poder de influência dos artistas perturba, ou os que gostariam de transformar os profissionais em pequenos soldados – como Jennifer Lopez no filme Atlas – não criarão obstáculos para sua realização e difusão, de qualidade.
No futuro imediato, o Festival Amazonas de Ópera foi totalmente cancelado este ano, por motivos orçamentários. Não sei quando o público poderá ouvir, no famoso Teatro Amazonas, no coração da Amazônia brasileira, na França ou em outro lugar, a ópera minuto que este Festival me encomendou: Flor da Selva (33 minutos de música, compostas sem IA), ouvir a homenagem de seu Coro final à Bossa Nova brasileira e suas percussões afro-brasileiras espacializadas.
Nacionalidade da IA compositora, analise musical e legislação
“Não é música francesa”, objetarão alguns. Não é música brasileira, continuarão outros. Mas então, o Bolero de Ravel e a Carmen de Bizet, as duas obras clássicas ocidentais mais tocadas no mundo, são espanholas, ou são francesas?! Ou são franco-espanhóis?
E, a propósito, qual é a nacionalidade, da IA compositora? Qual seria sua nacionalidade fiscal, se recebesse direitos autorais ao conseguir imitar Puccini com qualidade, para produzir óperas de Puccini/IA, com vozes misturadas de humanos, vendidas no planeta todo? Está surgindo um novo e complexo corpo de legislação internacional que precisa ser implementado sem demora.
Devemos lutar contra a IA? O mercado da IA, beneficiários privados e públicos, um imposto global para os artistas vivos.
Então, devemos lutar contra a IA? Contra quem, ou contra o quê, deveríamos lutar? Para a música, parece simples: precisamos lutar contra um novo tipo de miséria social, imposta aos artistas cujas vozes, personalidades e criatividade seriam usadas sem seu consentimento, pelas IAs que misturam suas músicas com outras para criar novidades.
Que não tenhamos ilusões: nenhum músico do mundo seria poupado dessa miséria social. O ‘udio’ não só consegue criar uma voz operística praticamente verossímil com suas emoções, texto e orquestra, como também o faz para uma grande parte da música tradicional do mundo, em vários idiomas.
De acordo com a Goldmedia [4], se autorizado, esse mercado de música com IA geraria mais de 3 bilhões de dólares em lucros, já em 2028 (daqui a 4 anos!) para investidores e plataformas de streaming. Será que os programadores de IA que obtiveram sucesso nesse desafio biotecnológico, seriam os principais beneficiários? Isso está longe de ser certo. E menos ainda, neste momento, os artistas que já são muito mal pagos pelas plataformas de streaming, cujos conteúdos de obras pré-existentes são usados pela IA – que não poderia criar sem eles.
Os artistas humanos, de repente se encontram desacreditados, imitáveis, “caros demais”, segundo gestores ultraliberais, e enfrentam uma concorrência de IAs, mais baratas, colocadas no mesmo nível de distribuição que os humanos nas plataformas de streaming, e no mesmo nível de resultado artístico – segundo os beneficiários dos seus lucros.
Ah, mas, amigos artistas, vamos nos recompor depois do que poderia ter sido uma terrível humilhação infligida pelas IAs aos nossos infelizes egos! Lembremo-nos daqueles pequenos defeitos extraordinários que emocionam mais do que a perfeição: embora a IA também possa imitar os “pequenos defeitos” de artistas já gravados, ela pode não ter a capacidade de criar esses pequenos defeitos “originais”, que são qualidades interpretativas de origem biológica, também porque não possui os “circuitos de prazer” biológicos associados. A capacidade de transformar uma maçã que cai de uma árvore, numa lei da gravidade terrestre, também poderia lhe ser inaccessível para sempre!
O que pode ser feito nesse contexto, em todo o mundo? As propostas da Sacem e de alguns outros, para obrigar os vendedores de música a declarar a participação da IA nas obras oferecidas para venda, por exemplo, uma espécie de rótulo made by IA, seria um primeiro passo em direção à transparência necessária. A criação de um fundo global para os artistas vivos, derivado de um imposto – alto! – sobre os lucros de obras criadas pelas IAs, é outra medida justa a ser considerada.
[4] La Sacem et la Gema dévoilent les résultats d’une étude inédite sur l’impact de l’intelligence artificielle dans la musique, 30 janvier 2024 : https://societe.sacem.fr/actualites/nos-etudes/la-sacem-et-la-gema-devoilent-les-resultats-dune-etude-inedite-sur-limpact-de-lintelligence
Vidas post-mortem para os artistas
Não importa, vamos usar apenas artistas que já morreram, poderiam replicar alguns investidores sem consciência, encantando os fãs de Maria Callas ao fazê-la cantar árias que ela nunca cantou durante sua vida, produzindo uma “vida paralela post-mortem” para a Diva do século XX, ou para Elvis Presley, que morreu prematuramente. Ou para um maestro que nunca teria tocado esse repertório? Vertiginoso!
Além do perigo da “estagnação preguiçosa da espécie” (!) já apontado, em minha opinião o imposto cobrado sobre a venda de obras criadas pela IA deveria se aplicar a toda criação humana pré-existente, mesmo a de artistas mortos. Porque suas obras também são usadas pela IA, que não poderia criar post mortem sem elas. Esse fundo global para artistas vivos, em todos os países, faria justiça à programação genética biológica que nos tornou humanos, criadores humanos de música e, depois, criadores de IA musical.
Jovens talentos “clonados” pela IA, antes de existirem? Vamos dar um futuro aos jovens humanos vivos deste planeta!
Uma ideia paranóica me vem à mente de repente. A enorme tarefa de escrever para cinco grupos orquestrais em minha ópera Flor da Selva chama minha atenção, na tela do meu computador: 32.946 notas, de acordo com o programa de edição de música que uso.
E se uma IA compositora tivesse acesso ao meu programa de edição musical, por meio de um detalhe comercial que desconheço, ou no cloud e começasse a imitar minhas obras… transformando-as ligeiramente para evitar o plágio? E se ela comercializasse suas imitações com muito dinheiro, mesmo antes de as minhas serem apresentadas ao público? Uma espécie de “beijo bizarro”, uma homenagem dessa IA no meio de sua Odisseia, que enviaria ao mundo um “clone” do meu novo trabalho, vendido por ela antes do meu, deixando-me sem recursos para sobreviver?!
Por chance, no meu caso imediato, uma IA “ladrão” teria a maior dificuldade em gravar meus trabalhos em ambisonics, uma técnica de gravação essencial para obter a audição espacializada da harmonia rítmico-espacial.
Mas enquanto aos jovens talentos, jovens artistas de todo o mundo? Será que suas obras, suas vozes e seus corpos poderiam ser “clonados”, mesmo antes de existirem publicamente? Poderia uma nova forma de espionagem industrial, pública ou privada, tentar se apropriar do trabalho de artistas antes mesmo de eles terem a chance de interpretá-lo em público?
Essa é uma pergunta séria, considerando os lucros gerados por obras culturais, shows, cinemas, streaming e assim por diante.
O futuro, escaneamento das estruturas cerebrais pela IA: roubo de arte, vidas paralelas ou descendência? Os neurodireitos.
Minha imaginação vai para frente. A ideia de monetizar nossa programação genética, outro presente-futuro imediato, é aceitável? Onde terminam o comércio e o direito à privacidade, o direito de controlar nossa própria programação genética? O direito à minha própria voz, meu próprio trabalho, meu próprio corpo, minhas próprias emoções, minha própria memória?
O Chile, líder mundial nesse debate público pioneiro sobre os neurodireitos (que meu romance L’arme d’amour [5], publicado em 2002, já estava propondo), teve que dar um passo atrás em 2021 (3 anos atrás!) para consagrá-los em sua constituição. Mas podemos ver hoje, o quanto essas novas leis são indispensáveis, e urgentes.
E imagino um futuro em que escaneamentos cerebrais de artistas humanos, feitos em vários estágios de sua evolução/vida, estariam à venda para serem imitados pelas IAs… criadores de humanos imateriais? IAs criadoras em evolução, apôs as que recentemente conseguiram criar interfaces “telepáticas” cérebro humano/máquina [6]? Ao ver os incríveis progressos da robótica, com a pele sintética e as expressões faciais humanas, pensa-se que o robô humanóide Giskard dos romances de Isaac Asimov, poderia ser realidade!
Nasce uma nova espécie… Nossa espécie se reproduz por meio do acasalamento com a IA!! Uma nova espécie, ou uma evolução da espécie que extinguirá a nossa?
[5] Sabrié, I. L´arme d´amour, roman d´anticipation, ed. Nicolas Philippe, Paris 2002. https://isabellesabrie.com/ecrits-disabelle-sabrie/?lang=fr
[6] Jiang, L., Stocco, A., Losey, D.M. et al. BrainNet: A Multi-Person Brain-to-Brain Interface for Direct Collaboration Between Brains. Sci Rep 9, 6115 (2019). https://doi.org/10.1038/s41598-019-41895-7 . https://www.nature.com/articles/s41598-019-41895-7
O presente, uma questão imediata que afeta todas as profissões. Proteção da criatividade biológica, Tratado Internacional sobre a IA. Escolher nosso futuro humanos/IA.
Caro.a.s leitore.a.s, algumas perguntas: o que está em jogo.
-Devemos dar prioridade às criações humanas e, assim, dar um futuro aos jovens artistas de todos os países? Ou devemos privilegiar os lucros imediatos de certos vendedores de IAs misturadoras de artistas, e correr o risco de deixar as gerações futuras sem recursos?
-Uma prioridade deve ser dada às criações que a IA não poderia inventar? Incluindo trabalhos concebidos por mulheres, incluindo trabalhos que fogem das estruturas pré-formatadas habituais? Devemos conhecer as percussões especializadas por meio da harmonia rítmico-espacial? As percussões afro-brasileiras podem ser permitidas na ópera?
-A IA deve ser proibida? Devemos proibir sua inestimável ajuda na criação de novas obras, suas maravilhosas possibilidades para aqueles que não têm a sorte de ter um talento artístico inato, mas cujos corações e almas sonham com belezas que não puderam expressar até agora?
-Devemos proteger, acima de tudo, a criatividade biológica natural que tantas vezes surge onde menos esperamos, daqueles para os quais não foi planejada, em resposta a desequilíbrios e novos desafios?
– Podemos permitir que a criação biológica natural se torne “cara demais”, confiscada por um punhado de investidores-produtores-distribuidores-vendedores humanos? Podemos permitir que artistas maravilhosos e, gradualmente, jovens e seres humanos de todas as profissões vivam na miséria, sem assistência médica, todos “caros demais” ao serem comparados com as novas habilidades da IA?
-Será que médicos, professores, advogados, psicólogos, empresários, comerciantes, políticos, economistas, militares, todos já assistidos por IA e, às vezes, substituídos pelas IAs, logo serão administrados por uma IA gestora? Essa IA gestora do mundo, ultraliberal, deveria excluir aqueles que considera “caros demais”, em outras palavras, todos os seres humanos? Ou deveria impor um modelo único e uniforme, um algoritmo global para todos os seres humanos e para a criação biológica que ela protegeria? Ou nenhum dos dois, mas um modelo algorítmico complexo e em evolução, com um equilíbrio estratégico multipolar que protegeria a incrível diversidade da vida biológica, um pouco como o mundo espaço-temporal da harmonia rítmico-espacial?
-Será que deveríamos deixar uma guerra mundial, liderada por IA robôs programadas para a malevolência de fakenews que estimulam o ódio e influenciam os votos, liderada pelas IAs do marketing de vendas de armas, “resolver” o problema dos humanos “caros demais” … eliminando-os fisicamente? Uma guerra liderada pelas IAs programadas para matar humanos, hackeadas mais cedo ou mais tarde por humanos ou pelas IAs rivais, condenando os jovens humanos a um futuro horrível? Não é por acaso que até os empresários mais ricos pediram uma moratória sobre a IA, em 2023.
-Ou devemos seguir o exemplo dado desde 1950 por Isaac Asimov, cientista profético e brilhante, para proteger a criação biológica, a da natureza, a de nossa programação genética, por meio de “leis da robótica” internacionais e de um tratado sobre a IA? Devemos, como seu herói, escolher o futuro de Gaia, o último romance de sua série Foundation, o romance mais biológico de todos?
-Se, graças à IA medical, as mulheres pudessem em breve se reproduzir por partenogênese, sem homem, uma IA gestora poderia decidir acabar com todos os homens, que de repente se tornariam “inúteis”? Ou deveria, bem ao contrário, proteger preciosamente essa criação biológica natural, o ser humano masculino?!
O futuro será o que nós fizermos dele.
Conclusão/Resumo
Em 2024, os artistas estão a frente de uma espécie de “clones” imateriais de si próprios, produzidos por uma IA capaz de imitar a sua voz, a sua execução instrumental, as suas características como intérprete e o seu estilo de composição, com uma qualidade emocional nunca antes alcançada, inclusive para a ópera, suas orquestras e suas vozes complexas. Uma possibilidade de “vidas paralelas” se apresenta, para os artistas “clonados” durante a sua vida, com ou sem o seu consentimento. Vidas post-mortem possivelmente dadas a alguns deles, “clonagem” de jovens talentos antes mesmo de poderem aparecer em público e um enorme mercado em perspectiva necessitam uma nova legislação internacional: declarar o made by IA, implementar um imposto-fundo destinado aos artistas vivos, neuro-direitos.
As criações de obras inacessíveis à IA, como as de harmonia rítmico-espacial, são pistas novas de emprego, em todos os estilos, para os artistas humanos: em 2024, a IA não tem referência musical imitável para o equilíbrio espaço-temporal multipolar, nem os conhecimentos neurológicos sobre o funcionamento deste equilíbrio ou sobre o prazer que proporciona. O teatro de harmonia rítmico-espacial, que diferencia espacialmente o real do virtual, abre outras perspectivas de empregos dedicados ao fortalecimento da saúde mental – inclusive pública, recentemente alterada pela confusão entre as realidades, ou pelas “alucinações” da IA. Novas profissões estão aparecendo, desde a adaptação do trabalho dos criadores com a IA assistente musical, até a formação de educadores-conselheiros para os amadores de artes e as pessoas sem “dom” artístico, ou sem técnica, possibilitando a expressão dos seus sonhos artísticos e emoções através da IA.
O perigo de uma estagnação da espécie, ou de um confisco de toda a criatividade biológica e artificial, mais ainda se as IAs reproduzissem os escaneamentos de estruturas cerebrais em movimento, após o sucesso das interfaces cérebro/máquina “telepáticas”, exige uma proteção especial, e a implementação internacional de neurodireitos. Além da música, todas as profissões estão concernidas, e um Tratado Internacional sobre a IA é tão urgente quanto essencial.
O futuro dos jovens e o futuro de nós todos, seres humanos vivos, depende das nossas decisões de hoje: “caros demais” a serem comparados com as IAs, num mundo pensado para as IAs, ou em harmonia com a nossa natureza biológica, num futuro construído com IAs benevolentes que, em primeiro lugar, protegerão a criatividade biológica natural.
Sejamos os atores do nosso futuro, decidido por nós mesmos!
Isabelle Sabrié
Biografia.
Compositora francesa, autora da harmonia ritmico-espacial, residente em Manaus-Amazonas-Brasil desde 2007.
Autora do romance de antecipação A arma de amor (ed. Nicolas Philippe, Paris 2002).
Ex soprano solista, Primeiro Prêmio Ópera do Conservatoire National Supérieur de Musique et de Danse de Paris, premiada no Placido Domingo Opera World Competition e outros Concursos Internacionais de Canto e Ópera.
Artista-expert do grupo Harmony with Nature da ONU.
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